sábado, 27 de outubro de 2012

Manual para a Lucidez

Desposa-a.
Recebe o ventre que se te dá, semeia-o.
Escreve-lhe em pontos aéreos luminosos
Os pesadelos todos das noites últimas.
- Irá fazê-los mito e aquecer-te-á o cerne.

Bebe-a.
Bebe do rasto das lágrimas que te devota.
Fala-lhe dessa dor dormente que te afaga
À qual esperneias e sacodes em raiva.
- Sopra-la-á em gestos suaves e consolar-te-á.

Rouba-a.
Arranca-a da corda bamba de onde não tomba.
De onde ainda te espera à luz da fé incauta.
Canta-lhe a oração das tuas manhãs de ouro.
- Dela fará mantras no nenúfar do teu lago.

Ama-a.
Sorve-lhe o âmago sedento da pele tua.
Afoga-te no calor dos seios que se lhe ardem ao toque.
Dá-te. Dá-te como se milhões de ti houvesse.
- Milhões dela fará para que jamais só te quedes.



Maria Fernandes, in Contemplações, Constatações e 30 Ventos (2014)








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