terça-feira, 29 de julho de 2014

Feridas auto-infligidas, Charles Bukowski


ele falava de Steinbeck e de Thomas Wolfe e
escrevia como que  entre meio destes dois
e eu vivia num hotel em Figueroa Street
perto dos bares
e ele vivia nos subúrbios num quarto minúsculo
e ambos queríamos ser escritores
e encontravamo-nos na biblioteca pública, sentávamo-nos nos bancos
de pedra e falávamos sobre isso.
mostrou-me os seus contos e escrevia bem, escrevia
melhor que eu, havia uma calma e uma
força no seu trabalho que o meu não tinha.
as minhas histórias eram sinuosas, ásperas, com feridas auto-infligidas.

mostrei-lhe todo o meu trabalho mas ele estava mais impressionado com os
meus feitos alcoólicos e com a minha atitude mundana.

depois de alguma conversa vamos à Clifton’s Cafeteria
para a nossa única refeição do dia
(por menos de um dólar em 1941)
ainda assim
gozávamos de boa saúde.
perdemos empregos, arranjamos empregos, perdemos empregos.
normalmente não trabalhávamos, imaginávamos sempre que em breve
estaríamos a receber cheques regulares da
The New Yorker, da The Atlantic Monthly e da
Harper’s.

andávamos com um gangue de jovens que não ambicionavam
coisa alguma
mas possuíam o charme dos valentes sem lei e
bebíamos com eles e lutávamos com eles e
divertíamo-nos como os diabos.


depois, sem mais nem menos, juntou-se aos Marines.
“Quero provar algo a mim próprio” foi o que me
disse.

e provou: logo após a recruta, a guerra veio e em 3 meses
estava morto.
e prometi a mim próprio que um dia escreveria um romance e que
o dedicaria a ele.

escrevi até agora 5 romances, todos dedicados a outros.

sabes, tinhas razão, Robert Baun, quando uma vez me
disseste, “Bukowski, metade de tudo o que dizes é
treta.”


tradução: Maria Fernandes

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Tertúlia Poética, Charles Bukowski



ao meio-dia
num pequeno colégio perto da praia
sóbrio
o suor correndo-me pelos braços
uma gota de suor na mesa
esmago-a com o dedo
dinheiro de sangue   dinheiro de sangue
meu deus, devem achar que gosto disto como os outros
mas é para pão e cerveja e para a renda
dinheiro de sangue
estou tenso   sujo   sinto-me mal
pobre gente   estou a falhar   estou a falhar

uma mulher levanta-se
sai
bate com a porta

um poema nojento
alguém me disse que não os lesse
aqui

tarde demais

meus olhos não conseguem ver algumas linhas
leio-o
alto –
tremendo desesperado
sujo

não conseguem ouvir-me
e digo
desisto, é isso, estou
acabado

e mais tarde no meu quarto
há scotch e cerveja:
o sangue de um cobarde.

este então
será o meu destino:
esgravatando por cêntimos em salas pequenas e escuras
lendo poemas de que há muito me
cansei.
e costumava pensar
que os tipos que conduziam autocarros
ou limpavam retretes
ou matavam homens em becos eram
idiotas.


Tradução: Maria Fernandes


terça-feira, 22 de julho de 2014

Contemplações, Constatações e 30 Ventos


 Está pronto e quase, quase a ser apresentado o projecto que visa a explanação do processo poético com as escolhas do blogue Ventos Obtusos.
Encontro marcado para Setembro. Até lá, enjoy the Sun... if you find it.


MF

Sem Título

30.07.2005
(03:05 am)

As cartas brancas voam
Diante de meus olhos.
A Luz as não ofusca
- Dançam zombando de minha Demanda.

A distracção gémea da
Procrastinação e o
Tão-simples sistema efémero.

A estabilidade.
A altitude e atitude.
A auto-suficiência, e a liberdade,
Seja de que tipo for.

Ou então, Chuva.


Maria Fernandes

domingo, 6 de julho de 2014

Ensaios de um Pseudónimo III

Não te sei o gosto nem o sal da pele
ainda que me banhe no teu desejo confesso
e me asfixie na tua poesia muda.

Norberto Damásio

sexta-feira, 4 de julho de 2014

A Melhor Poesia é a da Burguesa


 
A melhor poesia é a da burguesa
A que fala de flores e florzinhas
Fala de nuvens e nuvenzinhas
De ondas e ondinhas
De ervas danadas e daninhas.

Sem dúvida que a melhor poesia
É a da burguesa de boa fala e de chá.
Da que tem amigos que os não há
Da que publica aqui porque nunca lá
Da que fica em Mi pois não sabe do Fá.

Escrevinhe-se o velho verso como
Só a burguesa o sabe fazer.
Toda a métrica e rima tem de bater
Toda a linguagem se deve saber
- em verdade, é para nada dizer.

Minta-se  e invente-se a poesia
Como de tal só a burguesa é capaz.
Encham-se páginas  de heresia
Que tal ver  tanto me apraz
- há uma puta de mania
que nem em aguarrás.

Maria Fernandes