sexta-feira, 27 de julho de 2012

Eis-me

Afasta essa madeixa, acaricia-me a face - beija-me a fronte.
Deixa que a suave brisa em mim
Deposite a verdade da minha ausência.
Se a figura ébano no banco de
Jardim às três da matina não me
Segredou as palavras contidas no
Livro sacro-secreto, receita do
Arroto que ressoou nas desertas
Ruas da minha cidade.
Se o latão alado que aqui me trouxe e
Não cuidou que cá me sonhasse embutir.
Se a cinza estática que noutra
Banda me aguarda não guarda
De mim a mais pálida memória.
Na cinza, de sombra não passo.
Na cinza de águas me não ato.
Deleito-me e deito-me nos vãos da
Minha escadaria, a que percorro
Com a ideia de lá em cima
Encontrar o meu Rosto, se é que
O levo comigo.

Afasta essa madeixa de cabelo -
Acaricia-me a fronte.
Permitirei que te banhes na
Tempestade contida dos meus olhos.
Permitirei que me arrebates
Em disfarçada e secreta paixão.
E dar-me-ei sem condição
Até que me vá. Até que em ti me vá.

Maria Fernandes, in Contemplações, Constatações e 30 Ventos (2015)

(revisto em 11.01.2014)

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Contemplação IX

1
A cada noite em que me atiro
Na horizontalidade das palavras e sou depois
 Arrancada ao sonho pelas garras das madrugada
Que na erma dificuldade das lágrimas
Me deixam hirta e suspensa, morta e inanimada
Suplico pelo entendimento do meu canto inócuo.

2
Se essa sentença absurda me embatuca,
Me cala à tua beira, como respirar?
Como caminhar, como respirar?
O eco não me traz resposta alguma
E já nem certeza tenho de a querer ouvir
Com medo de ensurdecer e ensandecer.
Desconheço realmente este Reflexo no espelho
- em palavras se transforma.

3
Quis prostar-me de braços abertos,
Receber a frescura dos céus - um burbulhar
De partículas vibrantes a recriar os tremores
que me causam a tua proximidade...
Inebriar-me na aquática melodia do meu quintal,
Querer saber porque perseguida fui através das marés
Dos Perplexos Oceanos que nos apartaram sem dó.

4
O rasto luminoso e invisível a comuns mortais
Que deixas neste corpo a cada milímetro
De toque amorna-me a alma e permite
À mente o ideal repetido por ínfimas eternidades...
Depois da partida resta-me o desejo de  
Confessar às paredes ainda brancas
O grito austero que me afoga o peito.
O grito que me subjugou ao teu cheiro,
Que me deixou colada à tua pele.
Já não sou mais eu.. confundo-me contigo.
Esqueci o meu nome ou estranhamente soa-me ao teu...



Maria Fernandesin Contemplações, Constatações e 30 Ventos (2015)

sábado, 21 de julho de 2012

TILT!

A mudez a ansiedade preencheram
Os impossiveis sonhos desta noite
Com sussurros lacerantes de nuvens negras de desilusão...
Fiz-me erma na impossibilidade
E dificuldade inócua das lágrimas.
Não.
Auto-linchei-me.
Do limbo nocturno emergi arrancada a esse abraço
Privada de mim própria, envolta em mim própria
Estarrecida e absorta me quedei
Como me quedo sempre.

À volta dos séculos, é impossível saber quando nos conhecemos embora lembre perfeitamente da vez em que nos encontramos na corrente vida. Os cernes nossos reconheceram-se imediatamente e decidiram que era altura de uma vez mais no decorrer das eternidades afinarem horizontes,- o Plano áureo e irrealizável conjunto.


Maria Fernandes

terça-feira, 17 de julho de 2012

Contemplação


A brisa um tanto arisca.
Os melros cantam.
O chão cinza, tua tez imóvel.

Antes haviam brilhado, teus olhos.
Agora encerram contemplação etérea.
O chão cinza, tua tez imóvel.

Olho o recanto.
Pergunto como seria a vista de fora.
O chão cinza, tua tez imóvel.

Nada é conhecimento confiado
e se, enfim, te quero saber é na
demanda do capricho ou no capricho da demanda?
Pergunto à arisca brisa, ao melro
no cabo de tensão. Quis saber se
na tua interna contemplação estaria o Graal.
Olho o recanto: não há resposta.
Só o chão cinza e tua tez imóvel!



Maria Fernandes, in Contemplações, Constatações e 30 Ventos (2015)

terça-feira, 10 de julho de 2012

Premonição


Ouço.
Como se o cheiro desta enormíssima noite
Me trouxesse de volta o vazio dos anos
Em que em cada entardecer tentei
Em vão recompor-me do pesadelo da noite anterior..

Contemplo
A esvoaçante e lilás melodia do batuque
Da mente ao descortinar ideias e conceitos
Que não ouso pronunciar - profanos!!
E que me apartam e me acercam...

Sinto
O suave murmurar da respiração tua
Em minha pele arrepiada, ciosa de ti - de tudo de Ti!
Mil a milímetro, decibéis perecíveis, as cores..
Julgadas mortais, eis que emergem do vão desse bêco!

O teu cheiro
Rapta a monte e brada aos mundos
Ariscas e férreas vontades de jamais emergir das paredes azuis
As que, escravas, não tiveram remédio que
Ser testemunho de quinhentos e vinte e cinco mil milhões de outras vidas passadas..

E a meu palato
Vem o doce e tão acre sabor a Ti -
O mesmo que em aromas me cobriu por
Mais não sei quantas horas até que em solo sacro
Ou não sacro me ajeitei a este alarde de sentidos, que em verdade os sinto mais vãos que idos!


Maria Fernandes, in Contemplações, Constatações e 30 Ventos (2015)

sexta-feira, 6 de julho de 2012

The Time of the Lie


Get myself rid of everything, even my Identity!
Undress me of Ideas, thoughts and conclusions.
Not having an opinion, not knowing, not rebelling!
Get myself rid of the two feet around me,
Pour me of Aura -to be no longer Me.
Waive all and any felling.
To stone, stone becoming to the most
Pale shadow of emotion, - let it be gone.

'Cause nothing I own, nor own myself nor
Allow the soul the dream of owning you.
Maybe, again, in another Land, with
Another time and other Salt, maybe then...
It doesn't matter wich role we have -
Only that we have one. One of the Eternals, now, if you please.
One with no expiration date, that never expires irrevocably.
One that writes me about Eros and caresses me untouched.
One that whispers me in the falling night and dandles.

From the cliff I cast away the Voice that in terraces
Frightened me and retracted me.
In the end nothing more recalls but the Time of the Lie.

Maria Fernandes

Ideia de te Amar


Se eu amanhã estiver, passa por mim como se eu nada fosse.
Trespassa-me com o olhar, mas faz com que nada sinta.
Refresca-me a fronte e vira as costas.
Aturdida e amarrotada me quedarei na insensibilidade do Gelo.
É por não poder cantar-te que te escrevo.
É por não poder tocar-te que te sonho esta e
A cada madrugada em que acordo
Com a ideia de te amar. Que amar-te mais não é que ideia minha - assombrosa.
Tenebrosa e febril, gélida e cálida esta ideia de te amar - Insana a ti me atiro e desatino
Como se esse vale fosse o negro e descomunal buraco onde
Ousei perder-me na tua pele para não mais ser achada.
Nas manhãs em que vagueio à chuva com os sonhos
Ainda pululantes na mente que se não atreve a despertar
Pergunto às gotas onde estou, que te dei, se algo te dei,
Que de mim em ti ficou, se algo ficou e como raio
Me posso manter viva na quietude do Gelo desta Máscara.
Devolve-ma de vez para que enfim me refaça.
Devolve-ma de vez para que enfim veja o cerne da que fui.
Já que jamais fui a mesma desde que sem palavras nos tivemos.

Se eu amanhã estiver, passa por mim como se eu nada fosse.
Longa e encarecidamente suplico: abandona-me por mais que me mate.
Já não suporto as madrugadas e esta ideia de te amar.


Maria Fernandes

quinta-feira, 5 de julho de 2012

A Busca



Uma destas portas deve ser a minha.
De entre todas as direcções, todas as ruas,
De entre todas as carreiras em direcção ao Fim
Uma tem de ser a minha!

Corro e percorro todas as vias, vielas e ruelas
Que o meu olhar consegue abarcar.
Arrasto-me em plenitude de arrastanço
Mas jamais avanço!
Por mais que corra e percorra, que voe e em mandalas viaje,
O sonhado mantra cisma em se não cantar.
E espero e desepero e escavo o côncavo deste
Quase desalmado Ser, que de alma e emoção anseio despir-me!
Mas não me desnuda, esta mortalha! - aconchega-me
No seu calor em carícia mortífera!


No gritante silêncio sinto já ida  a esperança - abarca-me o oco eco.

Maria Fernandes