segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Seguro, Charles Bukowski



a casa aqui do lado deixa-me
triste.
ambos marido e mulher acordam cedo e
vão trabalhar.
chegam a casa ao anoitecer.
têm um rapaz e uma rapariga.
pelas 9 da noite todas as luzes da casa
estão desligadas.
na manhã seguinte, ambos marido e
mulher acordam de novo cedo e vão
trabalhar.
voltam ao anoitecer.
pelas 9 da noite todas as luzes estão
desligadas.

a casa aqui do lado deixa-me
triste.
são boas pessoas, gosto
delas.

mas sinto-as a afogar-se
e não as posso salvar.

sobrevivem
não são
sem-abrigo.

mas o preço é
terrivel.

às vezes durante o dia
olho para a casa
e a casa olha para
mim
e a casa chora, sim, chora,
sinto-o.

a casa está triste pelas pessoas que lá
vivem
e eu também
e olhamos um para o outro
e os carros passam para cima e para baixo cá na
rua,
os barcos cruzam a baía
e as palmeiras acotovelam-se
contra o céu
e logo às 9 da noite
apagar-se-ão as luzes
e não só naquela
casa
e não só nesta
cidade.
vidas seguras que se escondem,
quase
paradas,
o respirar de
corpos e pouco
mais.

Tradução: Maria Fernandes


sábado, 9 de agosto de 2014

Ouro à tua vista, Charles Bukowski



peguei no meu BMW e conduzi até ao meu banco para
levantar o meu Cartão Dourado da American Express

disse à rapariga ao balcao o que
queria.
 
“você é o Sr. Chinaski”, disse
ela.

“sim, precisa de algum
documento?”

“oh não, nós conhecêmo-lo...”

deslizei o cartão bolsa dentro
voltei ao parque
entrei no BMW (já pago, e em
dinheiro)
e decidi passar na loja de bebidas
para uma caixa de bom
vinho.

a caminho, decido ainda escrever um poema
sobre toda a cena: o BMW, o banco, o
Cartão Dourado
só para lixar os
críticos
os escritores
os leitores

que preferiam muito mais os velhos poemas sobre mim
dormindo em bancos de jardim
com frio e morrendo do vinho barato e da
má nutrição.

este poema é para aqueles que pensam que
um homem só consegue ser um génio
criativo
à beira do seu
limite
ainda que nunca tenham tido
tomates para
tentá-lo.


tradução: Maria Fernandes