quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Reporte

Dos encerrados capítulos contemplativos,
Aqui me sento e rastreio o horizonte:
- Ociosidade, a quanto me obrigas despojar.

Dos corpos outrora nús, suados, famintos,
Aqui me sento e rastreio o horizonte:
- Amor, bem vês que me fui para sempre.

Da Máscara – inda e vinda a seu juízo,
Aqui me sento e rastreio o horizonte:
- Sou a manhã gélida no verde bretão.

Das noites – de todas as noites da nossa ausência,
Aqui me sento e rastreio o horizonte:
- Este não é o vale do nosso contentamento.

Das palavras – de todas as palavras de que não precisamos,
Eis-me prostrada, vencida, olhos no imenso opaco:
- Quis salvar-te ao suicidar-me, quis ser eu e tu e todos, todos.
Não é este o norte do nosso âmago – é um outro de escarpas despido.

Maria Fernandes,
in Contemplações, Constatações e 30 Ventos (2014)

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Return





Há sempre um Nó na curva
do pensamento da nossa Impossibilidade.
Emaranha-se diante dos olhos parados.
Forma-se de curvas e rotundas ante mim – hirta.

A Máscara que de novo me veste murmura trovas e blasfémias em tom de troça
- A Máscara antes Inerte, ri-se agora e debocha:
 
Que a atirei em desvario,
Que a desdenhei, febril,
Que lhe senti o gosto acre da ausência.
Que a desejei de volta, já perdida.
Ei-la ora novo milénio volvido.
Ei-la agora colada ao meu Rosto.
Ei-la fresca, descansada, em forma de mim.

No Nó crescente da curva do pensamento
da nossa Impossibilidade - sou esta, a antiga.
Desnuda, arrasada e arrastada que fui
Por escarpas do nosso vão contentamento
Eis-me ora – hirta e fria.

Maria Fernandes

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Da Ausência

Ainda que estejas, como estás, como em verdade nunca estiveste
Ainda que tenha aqui visto realmente, cheirado, sentido realmente.

Ainda que estejas, como estás, como em verdade nunca estiveste
Sou agora o ferro com que me quis vestir. Oxido na orla do teu oceano.
Embarco em canoas de tolho que nunca chegam ao teu cais - onde cais,
Onde sem te chegar, te recolho e te afago - recolhendo-me, salvando-me.

Ainda que estejas, como estás, como em verdade nunca estiveste
Sou agora rochedo maior que esse que habitas, ou pensas habitar.
Sou agora, mais que heroína estóica e feroz arremessada a ti
- Sou agora a tela sem côr onde pintas o meu Ser, silêncio parado.

Sou agora a estrela estática do firmamento dançante
A tempestade que infante algum ousa enfrentar.
Sou o eco de tudo o jamais escrito - palavras, ritos, sinfonias, asas.
Sou a aterragem que nunca houve porque voo algum foi Real.

Ainda que te tenha aqui visto realmente, cheirado, sentido realmente.
Ainda que estejas, como estás, como em verdade nunca estiveste.

Queda-te e deixa - não venhas, já.



Maria Fernandes, in Contemplações, Constatações e 30 Ventos (2014)













domingo, 13 de outubro de 2013

Nocturne Fog

felt the momentum
as a boiling whisper
came to me

daring

a nocturne fog.







Maria Fernandes

sábado, 12 de outubro de 2013

Todo o Nada



Sem pés nem braços
Te alcanço e te abraço.
Sem boca, sem saliva
Sem cheiro – te sinto,
Te mastigo, te inalo
Por toda a parte
De mim te exalo
Quando ainda tua me dou
De cada vez que te embalo.

Sem pés nem braços
Sem mãos nem coxas
Te resgato e te guardo,
Te aqueço e te deixo
Te louvo e maldigo.
Sem olhos que te sigam
Sem lábios que te mordam
Sem tudo, com nada de mim
- ou da Máscara, a que Inerte
Nos seduziu, desenvolta na noite
E nos fez novos. E nos fez de barro branco.
O molde de nós não cabe no
Tamanho do Tempo, nem de espaço algum.

- Pelas costuras da noite nos fizemos.


Maria Fernande, in Contemplações, Constatações e 30 Ventos (2014)

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

CONSTATAÇÃO VI



Como de todas as vezes em que ficas em silêncio
e todos os cordéis cósmicos me berram
os trâmites do teu respirar inconsciente.
Colei os olhos à tua cara adormecida,
decorei-te os trejeitos dos lábios púrpura dessa manhã.

Urge despertar-te, render-me ao tempo
e à evidência da decadência e impossibilidade nossas.
Antes disso, amo-te uma vez mais
e o estarrecer do teu imo-limbo
no instante em que desaguas em mim.
Depois vieram os dias seguintes. E nós neles - ermos.


Maria Fernandes,
in Contemplações, Constatações e 30 Ventos (2014)

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Lágrima Multiforme



Difere em densidade, o Sabor desta lágrima.
Difere no sabor à medida que se me corre pelos lábios semi-abertos
Difere na forma, no percurso pelo Rosto.
O Sal – este Sal não é o mesmo.

Não posso crer que seja a mesma.

Se de todos os paramentos se veste, em êxtase.
Se todos os Rostos e todas as Máscaras
Toma em seu poder – esta disforme gota, pérola do meu atordoamento.
Como chamar a que já foi, se
Nunca nem nome teve, a esdrúxula.
Se me vazou, se me secou, se me matou
- Como agora vê-la, nomeá-la?
Se mil nomes tem a seu bel-prazer?
Se de ti se veste em todas as manhãs em torpor?

Cuspo o chão – não é digno de me suster.
Prefiro pairar.

E pairando vou.



Maria Fernande, in Contemplações, Constatações e 30 Ventos (2014)

domingo, 28 de julho de 2013

Do Retalho



Sempre se traz os olhos em mar.
Lembro-me, juro-o por todos os Céus e diferentes deuses, que vi aquela sombra sobre nós, à espera. Mas tu não.
Emaranho-te agora nos cabelos que entranço e que atiro depois onde antes te descansei os lábios para agora repousar os meus. Derrubada do pódio da lógica, eis-me brutalmente demolida de Verdade.
Fiquei-me por uma ou duas eternidades a contemplar a tua queda, a tua dor, a tua morte.
Rejubilei. Depois vi que estava morta. Enfim, adormeci.

Maria Fernandes,
in Contemplações, Constatações e 30 Ventos (2014)

Aceitação




Que me vais fugir - como se jamais o houvesses feito.
Como se não te houvesses atirado ao mundo com a mesma força
Com a mesma ira, com a mesma paixao com que ávido e generoso
Quero estas raízes minhas mais bestialmente fortes que a Terra.
Que me foges - como se mais nada de mim houvesse antes fugido.
Que me vais fugir - e nisto detenho a fala.

Nao tarda que me vá.
E a abrace.

Norberto Damásio,