segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Parker Pen

Escrevias, escorreita,
de Parker em punho.

Os demónios que
te abandonavam pela ponta
da tinta desenhando
a forma
do teu sonho,
a completa lânguidez
da tua sombra-sorriso.

De lágrima em
riste, escrevias
a vã hora do
queixume
morno e brando
de cada copo de vinho
ao entardecer
dessas paredes
brancas onde
fantasmas
de genitais
mortos gritavam
que te lhes juntasses.

Mas eras Joan D'Arc e
fazias rolar cabeças
só à força
de uma Parker Pen,
nem Ana, a Louca
ousáva desafiar-te
sorrias, modelando
sob o flash
do teu monstro interior

e o médico insano
te dizia o quão úteis eram os
milhares de vocábulos
de teus dedos emanados

chegaste, ainda, a achar
talvez fosses leda e sana

e enquanto
te esvaías em gás
soubeste bem
que uma Parker
que te comandava a gana.

Para Anne Sexton


Maria Fernandes
(29.11.2014)





Decapitação a Fernando Pessoa

Dizias, sapiente, que se à Poesia
Photo: Wikipedia
Se dá, a mais nenhum amor se deve
Que não pode um homem ser Génio em tudo
Que a Arte merece o derradeiro suspiro
No morno consolo das madrugadas sós.


Sabias, por dentro, que não
Tinhas paixão para tudo, e que a
Que restava, a essa força da Palavra a darias.
Querias, ah! Tu querias ser D. Sebastião
Ou um Salazar íntegro e triunfal,


(Um Sá Carneiro que morreu novo,
dirias hoje).


Quando Marialva te cortejou e lhe acedeste
Ao aceno traquina com travo da Ilha,
Foi com a vaidade mesma que escreveste
Por Crowley, The Wickedest Man in the World


E dos gracejos gotejantes do Desassossego,
Suponho, tua paixão primordial, e que os
Pensavas pelas ruas da menina e moça abaixo
Embriaguez de ideias, só para seres – perfeito.
Para seres só e uno e unicamente da Palavra.


- Tua pouca paixão não chegaria a uma mulher
Amavas só a ideia tua de ti mesmo
Duvidando do real amor, por este poder ser só uma ideia
A inconcretizável, por de irreal se tratar.


Com medo de seres pouco em um
Fizeste de ti inúmeros, nascidos de constelações várias
Ostentando pulsos diversos, risos e sonhos dispersos
Iguais, todos, na Máscara de fingimento que
Lhes impunhas – a única que te anunciava
O rosto de todas as manhãs em que despertávas
Incrédulo do novo dia no ofício da tua eternidade.


Tu soubeste               o significado do conceito


                  exímio
antes


           de este


o ser.


Não chegaste a experimentar, contudo,
O sopro novo que em Letras lusas se abateu.
Experimentarias tu, Ò Senhor dos 1000 Eus,
Dividir a tua pouca paixão pelo espaço sideral,
Conexão de sintaxes em formas lineares de sons?


Trago a paixão em torvelinhos pelo ar – atiro-a à alvura de telas
Penso-te os versos nas cantarias da cidade do poente rosa
Sei que receaste ser menor que Eliot, não te culpo por tal.
Usáste da máscara de teus Outros para seres tu, Grande.
Ou isso, ou eras louco. Ou então seremo-lo todos
Operários da palavra que depois de ti usaram
De escassa paixão atirada ao derradeiro suspiro
No morno consolo das madrugadas sós.




Maria Fernandes
29.11.2014