sábado, 23 de junho de 2012

Contemplação VIII


Sempre que o silêncio me abarca mergulho neste estado contemplativo. Posso ficar assim durante horas. Às vezes dou por mim, já vai a noite a cair. Quando desperto não recordo sobre que pensamentos, ideias, emoções terei deliberado silenciosamente em minha mente. Preocupo-me muitas vezes com a minha sanidade mental, não confio muito nela. Tento acalmar-me com o facto de não haver historial de loucura na família, embora esta possa não ser uma questão genética mas comportamental e resultado do meio envolvente, realidade visceral.
Diante do meu olhar perdido, há mil e uma visões, trezentos e cinquenta mil diálogos imaginários, oitocentos e trinta e sete milhões de supostas situações, histórias de nada, de uma dimensão a que ainda nem cheguei. Depois de acordar disto, tento lembrar o que em minha ideia ia e de novo me vejo embarcar em novas ideias sobre a ideia que vinha tendo e da qual não me consigo lembrar. E de sonho em sonho sobre ideias e pensamentos em frente à minha janela me deixo embalar ao som do vento nas árvores - o seu movimento faz-me ter a certeza de que afinal acordei algures na minha manhã e desci ao 1º andar onde à secretária, diante da grande janela em divagações me perco.
A poesia é tentativa normalmente falhada de auto-explicação, explanação de mim mesma. Ora me suplanta, ora me deixa em ânsia e desejo. Ora me preenche, ora me vaza. Coexistência raramente pacífica que tanta vez me deixa em franja o que, diga-se de passagem, não é difícil. E admiro-me que tanta gente goste, onde andei eu? Bem, na verdade não acho que seja assim tão bom. Sou péssima a não ser Eu e raro do que crio  não fica a metade.

Poucas vezes escrevi de forma tão clara. Aqui e em qualquer lado, sabendo que alguém lerá, a tentativa de mascarar o que sinto, o que penso, o que imagino com melodias, cores, sintaxes e vírgulas distintas como que para engodo. Gosto de "labirintear" o discernimento de quem lê, se ler e de "inventar" palavras como "labirintear" a meio de um qualquer texto. Gosto que seja preciso ler duas ou três vezes para começar a perceber, tal é a intrincada trama que lhe adoro fazer inerente. Contudo, garanto que poucas vezes escrevi tão claramente - dizendo realmente o que escrevo, com vontade e sem vontade de que me perguntem nada. Já pensei  e escrevi sobre essa parte, não estarei a repetir-me. Ide à Contemplação V que tenho mais que faça.
Não, não saiu poesia na oitava parte da indefinida Contemplação em que tenho colocado meus despojos mentais - às vezes saem bem adornados -, mas um não-sei-quê espécie de retrato actual da minha visão e da certeza quanto ao ser real que me dão as árvores dançantes. E saiu bem claro, de uma clareza ofuscante que nem eu percebo. Mas no texto me fui e... eis-me chegada. Vencida pela insignificância do eco. Questionando ainda se é Real ou Já Visto.

Maria Fernandes, in Contemplações, Constatações e 30 Ventos (2015)

3 comentários:

  1. Delicio-me sempre com os teus textos, com a verdade que transcreves nas entre linhas, consegues muito bem fazer isso. Para mim, é sempre um prazer ler o que escreves.

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  2. O mais difícil é conseguir calar a mente e entrar no silêncio.
    Gostei deste texto que transcreve de forma interessante os labirintos da alma.

    Bjinhos

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