Sempre que o silêncio me abarca
mergulho neste estado contemplativo. Posso ficar assim durante horas. Às vezes
dou por mim, já vai a noite a cair. Quando desperto não recordo sobre que
pensamentos, ideias, emoções terei deliberado silenciosamente em minha mente.
Preocupo-me muitas vezes com a minha sanidade mental, não confio muito nela.
Tento acalmar-me com o facto de não haver historial de loucura na família,
embora esta possa não ser uma questão genética mas comportamental e resultado
do meio envolvente, realidade visceral.
Diante do meu olhar perdido, há
mil e uma visões, trezentos e cinquenta mil diálogos imaginários, oitocentos e
trinta e sete milhões de supostas situações, histórias de nada, de uma dimensão
a que ainda nem cheguei. Depois de acordar disto, tento lembrar o que em minha
ideia ia e de novo me vejo embarcar em novas ideias sobre a ideia que vinha
tendo e da qual não me consigo lembrar. E de sonho em sonho sobre ideias e
pensamentos em frente à minha janela me deixo embalar ao som do vento nas
árvores - o seu movimento faz-me ter a certeza de que afinal acordei algures na
minha manhã e desci ao 1º andar onde à secretária, diante da grande janela em
divagações me perco.
A poesia é tentativa normalmente
falhada de auto-explicação, explanação de mim mesma. Ora me suplanta, ora me
deixa em ânsia e desejo. Ora me preenche, ora me vaza. Coexistência raramente
pacífica que tanta vez me deixa em franja o que, diga-se de passagem, não é
difícil. E admiro-me que tanta gente goste, onde andei eu? Bem, na verdade não
acho que seja assim tão bom. Sou péssima a não ser Eu e raro do que crio não fica a metade.
Poucas vezes escrevi de forma tão
clara. Aqui e em qualquer lado, sabendo que alguém lerá, a tentativa de
mascarar o que sinto, o que penso, o que imagino com melodias, cores, sintaxes
e vírgulas distintas como que para engodo. Gosto de "labirintear" o
discernimento de quem lê, se ler e de "inventar" palavras como
"labirintear" a meio de um qualquer texto. Gosto que seja preciso ler
duas ou três vezes para começar a perceber, tal é a intrincada trama que lhe
adoro fazer inerente. Contudo, garanto que poucas vezes escrevi tão claramente
- dizendo realmente o que escrevo, com vontade e sem vontade de que me
perguntem nada. Já pensei e escrevi
sobre essa parte, não estarei a repetir-me. Ide à Contemplação V que tenho mais
que faça.
Não, não saiu poesia na oitava
parte da indefinida Contemplação em que tenho colocado meus despojos mentais -
às vezes saem bem adornados -, mas um não-sei-quê espécie de retrato actual da
minha visão e da certeza quanto ao ser real que me dão as árvores dançantes. E
saiu bem claro, de uma clareza ofuscante que nem eu percebo. Mas no texto me
fui e... eis-me chegada. Vencida pela insignificância do eco. Questionando
ainda se é Real ou Já Visto.
Maria Fernandes, in Contemplações, Constatações e 30 Ventos (2015)
Delicio-me sempre com os teus textos, com a verdade que transcreves nas entre linhas, consegues muito bem fazer isso. Para mim, é sempre um prazer ler o que escreves.
ResponderEliminar:)
ResponderEliminarO mais difícil é conseguir calar a mente e entrar no silêncio.
ResponderEliminarGostei deste texto que transcreve de forma interessante os labirintos da alma.
Bjinhos