quarta-feira, 2 de abril de 2014

Homicídio na Catedral (Refrão II e II) - T.S. Eliot



Refrão I

Não desejamos que nada aconteça.
Em sete anos vivemos calmamente,
Conseguindo evitar sobressaltos,
Vivendo e em parte vivendo.
Tem havido opressão e fausto,
Tem havido pobreza e desordem,
Tem havido injustiças de menor.
Ainda assim fomos vivendo,
Vivendo e em parte vivendo.
Por vezes nos falhou o milho,
Por vezes a colheita é boa,
Um ano é de chuva,
Outro ano é de seca,
Num ano abundam maçãs,
Noutro faltam as ameixas.
Ainda assim fomos vivendo,
Vivendo e em parte vivendo.
Temos mantido as proezas, ouvido as missas,
Temos fermentado cerveja e cidra,
Juntado lenha contra o Inverno,
Falado na esquina do fogo,
Falado na esquina das ruas,
Falado não só em suspiros,
Vivendo e em parte vivendo.
Vimos nascimentos, mortes e casamentos,
Tivemos escândalos vários,
Fomos afligidos com impostos,
Tivemos risos e mexericos,
Várias raparigas desapareceram
Incontavelmente, e algumas o não conseguiram.
Todos tivemos nossos terrores privados,
Nossas sombras particulares, nossos medos secretos.
Mas agora um medo maior paira sobre nós, um medo não de um mas de muitos.
Um medo como nascimento e morte quando vemos nascimento e morte por si só
Em local ermo. Nós
Temos medo num medo que não podemos conhecer, que não podemos enfrentar, que
Ninguém entende,
E são-nos arrancados os corações, os cérebros esfolados como camadas
De cebola, estamos perdidos, perdidos.
Num medo final que ninguém entende.




Refrão II

Não temos sido felizes, meu Senhor, não temos sido muito felizes.
Não somos mulheres ignorantes, sabemos o que devemos esperar e não esperar.
Conhecemos opressão e tortura,
Conhecemos extorsão e violência,
Destituição, doença,
O velho sem fogo no Inverno,
A criança sem leite no verão,
Nosso trabalho que nos foi retirado,
Nossos pecados feitos mais pesados sobre nós.
Vimos o jovem mutilado,
A moça retalhada, trémula numa ola corrente.
E entretanto fomos vivendo.
Vivendo e em parte vivendo,
Juntando os pedaços,
Apanhando lenha ao anoitecer,
Construindo um abrigo parco,
Para dormir e comer e beber e rir.
Deus sempre nos deu alguma razão, alguma esperança; mas agora um novo terror nos assolou, um que niguém pode impedir, ninguém pode evitar, fluindo debaixo de nossos pés e pelo céu;
Por debaixo de portas e chaminés abaixo, fluindo pelo ouvidos e pela boca e pelos olhos dentro.
Deus está a abandonar-nos, Deus está a abandonar-nos, mais angústia, mais sofrimento que nascimento ou morte.
Doce e inebriante por entre o ar negro
Paira o sufocante perfume do desespero;
Formas tomam silhueta no ar negro:
Um ronronar de leopardo, passadas de urso hirsuto,
O símio anuente, hiena em quadrilha à espera
De risos, risos, risos. Os Senhores do Inferno estão aqui.
Rodopiam à tua volta, jazem a teus pés, oscilam e voam no ar negro.

 T.S. Eliot 

tradução: Maria Fernandes

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