Deixo-te hoje em verdade, meu amor.
Não há forma de garantir que viva
Que não deixar que te vás em teu vagar.
E te quedes esbraçejando a essa Foz -
Onde não pertenço e onde jamais poderei estar.
Julgo havê-lo pensado há mais tempo - mas a força,
essa alimentada de uma qualquer esperança absurda
e obtusa pseudocimentada de tolho - inexistente - e me vou, ora.
Deixo-te tudo e nada de mim como sempre
O tudo e o nada de mim possuíste -
Deixo-te todos os rios em que, juntos, não corremos
e todos onde nadámos um pelo outro e nos socorrêmos,
E nos salvámos e fingimos que tudo corre, ainda que
se não mais respire como ordena a natura.
E eis-me, feita mulher dura e lacrimosa,
Em verde bretão desposada de infâmia, colecto ora
as cores negras da nova tela da tua ausência renovada -
e passo a enxergar-te no meu jamais , que nunca é muito tempo.
Ordenho nas manhãs o teu sorriso, consolo-me:
- Há sempre forma de te fazer meu - aqui e agora.
Maria Fernandes,
in Contemplações, Constatações e 30 Ventos (2014)