terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Contemplação III


Ar uivante é a música de fundo no profundo silêncio desta noite
E os ténues lampiões são insuportável Luz no negrume de açoite.
O que contemplo vem-me de dentro, é um projecto deste Eu.
Contudo, o contemplado nunca fui eu mas o Eu que se pretende fingir.
O genuíno fingimento na arte de contemplar – rochas, terra, verde, mar…
Todas essas coisas que me contêm, nas quais me vejo.

Se do verde sob a densa e húmida bruma me julguei nascido,
Vindo, concebido, por aí deixei ar de mim, já enlouquecido.
Concluo que o que contemplo vem-me de dentro, é um projecto deste Eu.
Contudo, o reflexo deste Universo é pálida projecção deste querer
Que quanto mais dói, mais força tem, feito Síndrome de uma qualquer escandinava.
Nesse contemplar sinto realmente parado o Sr. Tempo, impotente!

A chuva é como o sol – um estado que nos abarca e nos submerge
Só que com menos luz e mais bela, fresca. E, sem dúvida que sobeje
Quero que se saiba que a chuva que contemplo vem-me de dentro, é um projecto deste Eu!
Contudo, esse vive em constante colapso, inconsciente de sua omnipresença.
Pairando por sobre este furioso oceano a meus pés e zombando, zombando-se,
Como se eu e Eu não fossem um só nessa tecitura de fingimento!

As cores gastas e pálidas do inverno de hoje. Esse vento Norte que me afagou e esbofeteou.
O silêncio gritante – onde estão as pessoas daqui?! E esse ar que me renovou?
O que contemplo anseio engolir para não mais ter fim este episódio, para que sempre venha destas entranhas essa visão de plenitude que é o recorte da tua linha em toda a tua extensão, em toda a tua franqueza. No que te deixo (se algo te dei) e no que me deixas, desolado. Moribundo. Morto, já.


Maria Fernandes, in Contemplações, Constatações e 30 Ventos (2014)

1 comentário: