quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Contemplação IV


Gosto destas tardes de quietude cinza invernosa.
De espraiar o pensamento e quedar-me, também
Absorta nos plenamente parados ramos!...
Depois, nos rastos de luz procuro um vislumbre,
Um qualquer nada na complacência do movimento
Que ouso tentar empreender em harmonia e graça
Mas me toma o fracasso, uma vez mais.
Se etéreos ou vis foram esses sussurros ao ouvido
Poderá dizer quem somente ouviu e sentiu o teu hálito quente
No sibilante minuto eterno em que dura essa difusa confissão,
Se é verdade que respirar é pecar, ainda assim.
Gosto de recolher elementos do ar que me rodeia.
De prestar atenção a certas frases, de saber de que lado sopra o vento.
Vou já saboreando o gosto de cada palavra nesses 
Arrebatadores interlúdios em que me quedo e quieto,
E este inconsumável espírito se enche e farta da parca
Ocorrência no pulsar quotidiano – absorvendo cheiros, sons
Palavras, algumas, quando as há! Nada seria sem essa bela
Observação da ocorrência humana, essa demanda
Não raras vezes inconsciente, da Real essência, o tal elixir.
“Na rocha, no mar e no céu” – (durante mais quanto tempo?!)
Em micro partículas o oceano submerge e então venho a mim.
Saio do tal estado de apneia, sinto oxigénio de novo. E nada.
Começa esta saturação a invadir-me, um estado de cansaço mental
Que, febril, me turva a vista e que depois em sonhos me recorda
Que tudo não passa de pensamentos e que é deles que fazemos
Esta e todas as outras vidas onde já nos tivemos.
Mesmo assim, a tarde de hoje, encantadoramente
Cinzenta e bela fez-me olhar a calma em volta
Como um estado de sítio Olímpico e desejei ver o Incontável Tempo… parado.
Como saberei se está bem a minha mente se todas são diferentes, únicas?
E é o bom senso, ou o dominante que deve prevalecer?
De onde vem este senti do de posse, quando insondável é
O que nos possui? Que se confessa quando nada do que se
Pronuncie chega para dizer tudo e nada em ti, em mim e
Em nós, que nunca fomos nós mas um repouso natural e óbvio
De quem se olha e, sem palavras, conta mundos e fundos
Num entendimento cósmico que nos faz brilhantes.
Ainda lembro, lá onde se escondem todas as estrelas, da nossa
Grandiosa e bela insignificância perante tal abóboda sarapintada de Luz.
Sempre se pode olhar o céu e esperar que mais alguém veja a estrela que tu vês.
Se tal aconchegar a alma. Se o frio não for muito e a saudade doer…
Nas ruas desta cidade receio cruzar com o desvario, como se as polidas calçadas
Me olhassem realmente, traçando uma espécie de rota que, sem controlo
Continuo a seguir em direcção a sabe-se lá onde.
Oh, noite interminável, que fizeste a estes marejados olhos?
Traz-me esse cheiro, o que me deixa sem palavras, sem fôlego.
Não vês que ainda se me acaba o ar?...


Maria Fernandes, in Contemplações, Constatações e 30 Ventos (2014)















quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

¨CONF#

Nas intermináveis horas em que me despi de alma
E em invisíveis fios de matéria atirei este corpo
Nada mais me afagou que um calor facial.
Naveguei por águas turvas procurando o Reflexo.

Se em qualquer acaso de tempo
O meu rosto encontrou o teu,
Nada mais há a fazer que suster o sopro.
Tu, na tua febril urgência.
Tu, no teu cansaço imaculado.
Eu, que te recolho em cacos no chão
E em meu regaço ouso juntar.

Todavia te busco e anseio respirar
Em teu silêncio carregas todos os gritos
Que juntos, bradamos nas outras vidas
Em que nos cruzamos. E, ainda assim,
Se no vento te pudesse atirar, de bom grado o faria.




quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

TOI


No intrínseco instante em que te veria descendo o verde
“Emudeceria, enquanto por meus olhos desfilariam mil palavras e léxicos”.
Mas acordei na cinzenta manhã sem nada mais que lágrimas como companhia.
É hora de voltar ao parco correr dos dias sem te haver conhecido.
Altura de por cá deixar essas, as que rolaram e acompanharam.
Palavras que levo em bagagem são vãs sombras do que te sonhei.
O sono me agitou no sonho onde te tentei afogar
Para que não me mates, a mim.
Para que não usurpes por demais esta leveza que me comanda.
E não mais dilaceres este olhar, que te disse insondáveis coisas,
Cantou orações, poetizou eventos, segredou rimas sem par,
Inaudíveis mas que sabíamos tão bem ouvir!
Fui eu, louca que me atirei desse abismo julgando poder voar.
Fui eu, tresloucada, doentia, desvairada de febre que em ti
Quis desaguar, desaguando-me. Espraiando-me ao longo do teu peito
Onde ousei asfixiar-me e me inebriei de ti e desse odor obtuso
Que agora jaz a meus pés, inanimado.
Ao deparar-me com o abismo, abandonou-me a vertigem
E montei o teu dorso, pronta a deixar-me levar
Para onde me quisesses, nalgum desolado lugar onde, leve, me  sonhasses!
Por aí me quedei, depois. Absorvendo todo o magnético negrume,
Deixando-te, aí, apenas luz alva. Para que vejas e sintas. E em fim, me sonhes
Na plenitude deste e de todos o Universos que pode ser que um dia se aproximem
Da grandeza que acontece quando um no outro repousamos e cerramos punhos…
Ainda por aí vagueio, procurando sei lá o quê, talvez o reflexo de mim mesma.
Na leveza, urge que ostente a Inerte Máscara para emergir desse Mar. E de Toi.



terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Tarde Púrpura

Da última vez que nos tivemos fizeste-me estacar.
Rapidamente em minha mente todas as imagens tu-e-eu que idealizo
Derreando-me ao surreal, irreal, fantasmagoricamente efémero
E nada é possível! Mais possível na possibilidade (ingénua!) de que,
Se calhar, mas só se calhar, o gelo se parta nalgum perdido lugar, onde estejas.


Sempre que nos temos essa viagem irrompe de mim.
Levando-me ao interior dessa vida, da tua, desbravando selvas, comendo bagas…
Sorvendo nos cantos dos lábios esse suco de sabor Olímpico.
E todos os quadros tu-e-eu fixos a essa parede. Imóveis.
E os dois, nos quadros. Imóveis, também.

Contemplação III


Ar uivante é a música de fundo no profundo silêncio desta noite
E os ténues lampiões são insuportável Luz no negrume de açoite.
O que contemplo vem-me de dentro, é um projecto deste Eu.
Contudo, o contemplado nunca fui eu mas o Eu que se pretende fingir.
O genuíno fingimento na arte de contemplar – rochas, terra, verde, mar…
Todas essas coisas que me contêm, nas quais me vejo.

Se do verde sob a densa e húmida bruma me julguei nascido,
Vindo, concebido, por aí deixei ar de mim, já enlouquecido.
Concluo que o que contemplo vem-me de dentro, é um projecto deste Eu.
Contudo, o reflexo deste Universo é pálida projecção deste querer
Que quanto mais dói, mais força tem, feito Síndrome de uma qualquer escandinava.
Nesse contemplar sinto realmente parado o Sr. Tempo, impotente!

A chuva é como o sol – um estado que nos abarca e nos submerge
Só que com menos luz e mais bela, fresca. E, sem dúvida que sobeje
Quero que se saiba que a chuva que contemplo vem-me de dentro, é um projecto deste Eu!
Contudo, esse vive em constante colapso, inconsciente de sua omnipresença.
Pairando por sobre este furioso oceano a meus pés e zombando, zombando-se,
Como se eu e Eu não fossem um só nessa tecitura de fingimento!

As cores gastas e pálidas do inverno de hoje. Esse vento Norte que me afagou e esbofeteou.
O silêncio gritante – onde estão as pessoas daqui?! E esse ar que me renovou?
O que contemplo anseio engolir para não mais ter fim este episódio, para que sempre venha destas entranhas essa visão de plenitude que é o recorte da tua linha em toda a tua extensão, em toda a tua franqueza. No que te deixo (se algo te dei) e no que me deixas, desolado. Moribundo. Morto, já.


Maria Fernandes, in Contemplações, Constatações e 30 Ventos (2014)