segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Terra


O cheiro inebriante, à saída do túnel invade imediatamente todos os meus sentidos. O ar, repleto de memórias traz a Terra até mim, até ao mais recôndito da lembrança. Lembro de, em criança, num qualquer filme de época haver retido a ideia de que tudo se perde e ganha e de que para além de nós, do que construímos, sonhamos, criamos, ateamos fogo e até depois da nossa morte e da dos outros a Terra, essa, permanece -  muda de histórias e contos reais e imaginários, guardando em si vidas e umas quantas mortes, muitas.
Esse inebriante odor de Terra, de suor e trabalho. Das lágrimas que no leito castanho escuro basáltico foram mil vezes derramadas. Essas lágrimas perdidas, fundidas para sempre em grãos de matéria e criando a substância que educa gerações e povos. E culturas.

De cada vez que desse túnel surjo, vinda dos sítios onde julgo viver, uma onda de calor invade estas entranhas como que para contrariar o fresco, o frio desse lado. E revejo-me em crescendo. Em flutuando. Em cada passo que deixei perdido nessa Terra de ninguém, a minha. A rocha por cima de nós. O imperioso oceano, a nossos pés bradando aos céus imperceptíveis coisas perante nossa apatia. Que da Terra somos e dessa negra Terra somos feitos.

É bom senti-la escorrendo por entre os dedos, na sua voluptuosa queda de volta ao leito.
É bom moldá-la e vê-la tomando a nossa forma, a forma do nosso Eu, do nosso impaciente desejo de posse. Da urgente necessidade de ouvir essas vidas e mortes contidas e poder, enfim e em plenitude, entender o fio invisível e imensurável que nos liga, feito amantes eternos.


Maria Fernandes




2 comentários:

  1. Mais um grande texto. Acabo por sentir o mesmo, ou não fosse eu, uma pessoa do norte, que cresceu com a "terra" bem perto.

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  2. Nós, mulheres do Norte, sabemos cá uma coisas..... :)

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