terça-feira, 25 de março de 2014

Poeta da Ignorância



Talvez a terra flutue,
Não sei.
Talvez as estrelas sejam pequenos recortes
Feitos por tesouras gigantes,
Não sei.
Talvez a lua seja uma lágrima congelada,
Não sei.
Talvez Deus seja uma voz profunda
Ouvida por surdos,
Não sei.

Talvez eu seja ninguém.
Verdade que tenho um corpo
E dele não posso escapar.
Gostava de poder voar para fora da minha cabeça,
Mas isso está fora de questão.
Está escrito na tabela do destino
Que estou aqui presa nesta forma humana.
Sendo esse o caso
Gostaria de chamar a atenção ao meu problema.

Há um animal dentro de mim,
Que me aperta o coração,
Um enorme caraguejo.
Os médicos de Boston
Meteram mão à obra.
Tentaram usar bisturis,
Agulhas, gases venosos e afins.
O caranguejo mantém-se.
É um grande peso.
Tento esquecê-lo, vou aos meus afazeres,
Cozinho os bróculos, abro os livros fechados,
Escovo os dentes e arrumo os sapatos.
Tentei rezar
Mas ao rezar, o caranguejo aperta ainda mais
E a dor aumenta.

Tive uma vez um sonho,
Talvez era um sonho,
Em que o caranguejo era a minha ignorância de Deus.
Mas quem sou eu para acreditar em sonhos?

Anne Sexton

tradução: Maria Fernandes

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