Cheguei e escrevi de assentada
Todas as linhas vazias
que abaixo lês,
- cortam-se os cabos um a um devagarinho
E havendo tudo a dizer -
não se diz nada.
Gasto, usado, velho é já tudo.
Ao menos o silêncio é novo,
Gasto, usado, velho é já tudo.
Ao menos o silêncio é novo,
Não como nós, que nunca fomos nós e
Somos tão velhos, amor, tão velhos.
Vamos morrer de velhos,
Vamos morrer de velhos como os velhos que nunca fomos ou
até mesmo como os que o foram e depois morreram
- de velhos.
E quereremos sempre mais um dia
(não há dias a mais na tentativa de
provar a nossa Impossibilidade)
Olha, amor – repara nas nossas mãos
envelhecidas
Vê como ganham manchas da falta de
nos tocarmos.
Vê como estão gastas de nos
percorrermos.
Vê, amor, como rareiam nossos
cabelos,
Como nos cobrem cãs sem piedade,
Como nos cansamos e como estão
gastas, velhas e gastas
- as palavras.
(não há palavras por demais velhas
que não sirvam para limpar pó)
Ah, se não fôssemos velhos e gastos!
Se as palavras se não houvessem
suicidado, maltrapilhas,
Em precipícios de nós, que nunca
fomos nós, e se as tivéssemos poupado.
Se um suspiro só sobrásse, se
houvesse um só gesto, um só.
(e se tudo isto fosse, de novo se
prova a inutilidade das palavras)
- todos os trilhos terra-escarpa-mãe
poderíamos ainda fazer render
Sob os pés de nós, que nunca fomos
nós, nem nada parecido
Nem estes, nem aqueles, nem por mais
que quiséssemos,
(teremos querido?)
Mas não, somos velhos – velhos sem
tino.
Vês, amor, como nos falha a memória.
Falha-se-nos como falha aos velhos.
Esquecemo-nos que filmes vimos.
Esquecemos canções, palavras, sempre
as palavras, essas bestas.
Esquecemos lábios e peitos em
praias. Corpos e ritmos. Cores.
Somos já só a ideia do que já não se
tem tempo de ser.
Tudo porque estamos velhos.
Falha-nos a memória.
(e todas as cenas e verdades-grito
silenciosas aprisionadas no limbo-eu)
O silêncio, ao menos, é novo –
purgante.
Já que, tão velhos e reumáticos
hoje, já nem suspirar ousamos.
(e a longamente ansiada velhice, trocista)
Há acontecimentos terríveis que nos salvam, amor.
É por isso que estamos velhos.
Velhos e idos. – Agora, vai.
(vai?)
(estavas aí?)
Maria Fernandes, in Contemplações, Constatações e 30 Ventos (2014)
Adoro :)
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