quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Isto não é para Velhos



 
Cheguei e escrevi de assentada
Todas as linhas vazias que abaixo lês,
- cortam-se os cabos um a um devagarinho
E havendo tudo a dizer - não se diz nada.
Gasto, usado, velho é já tudo.
Ao menos o silêncio é novo,
Não como nós, que nunca fomos nós e
Somos tão velhos, amor, tão velhos.
Vamos morrer de velhos,
Vamos morrer de velhos como os velhos que nunca fomos ou
até mesmo como os que o foram e depois morreram
- de velhos.
E quereremos sempre mais um dia
(não há dias a mais na tentativa de provar a nossa Impossibilidade)

Olha, amor – repara nas nossas mãos envelhecidas
Vê como ganham manchas da falta de nos tocarmos.
Vê como estão gastas de nos percorrermos.
Vê, amor, como rareiam nossos cabelos,
Como nos cobrem cãs sem piedade,
Como nos cansamos e como estão gastas, velhas e gastas
- as palavras.
(não há palavras por demais velhas que não sirvam para limpar pó)

Ah, se não fôssemos velhos e gastos!
Se as palavras se não houvessem suicidado, maltrapilhas,
Em precipícios de nós, que nunca fomos nós, e se as tivéssemos poupado.
Se um suspiro só sobrásse, se houvesse um só gesto, um só.
(e se tudo isto fosse, de novo se prova a inutilidade das palavras)
- todos os trilhos terra-escarpa-mãe poderíamos ainda fazer render
Sob os pés de nós, que nunca fomos nós, nem nada parecido
Nem estes, nem aqueles, nem por mais que quiséssemos,
(teremos querido?)
Mas não, somos velhos – velhos sem tino.

Vês, amor, como nos falha a memória.
Falha-se-nos como falha aos velhos. Esquecemo-nos que filmes vimos.
Esquecemos canções, palavras, sempre as palavras, essas bestas.
Esquecemos lábios e peitos em praias. Corpos e ritmos. Cores.
Somos já só a ideia do que já não se tem tempo de ser.
Tudo porque estamos velhos. Falha-nos a memória.
(e todas as cenas e verdades-grito silenciosas aprisionadas no limbo-eu)

O silêncio, ao menos, é novo – purgante.
Já que, tão velhos e reumáticos hoje, já nem suspirar ousamos.
(e a longamente ansiada velhice, trocista)

Há acontecimentos terríveis que nos salvam, amor.
É por isso que estamos velhos.
Velhos e idos. – Agora, vai.

(vai?)


(estavas aí?)



Maria Fernandes, in Contemplações, Constatações e 30 Ventos (2014)













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