Gosto de assim quedar-me.
Bebendo da vista que alcança o olhar.
Saboreando cada esquina, cada pedra
como testemunhos que são de vida passada.
Cada momento em meu campo de visão
é uma viagem à contemplação de meu Eu
que deixei, encontrei, fui, voltei sem
jamais, nunca, mas nunca esquecer
que contemplo... o meu mundo.
Sorvendo do que o olhar me dá.
Revendo-me em cada brisa que sopra.
Segredando-me coisas de nunca e
de sempre, que nunca perdi, afinal.
Gosto de nada pensar.
Quedar-me, só. A olhar.
Mastigando e digerindo adjectivos e
nomes e cognomes que em honra
do que contemplo, irei escrever.
Gosto de imaginar o corpo do texto,
adivinhar os primeiros verbos.
Ao ver-te, o meu rosto transfigura-se.
Não sei em que tempo, em que ano ou era nos
podemos ter fundido. Numa qualquer altura
tal aconteceu, sei-o em cada longo olhar com
que nos deleitamos, de um e de outro.
Tudo o que me mostras é belo.
É belo o nosso olhar fundo.
Belo é o sentir-te. Dizer-te é belo.
E se um no outro repousamos,
é belo o repouso. O descanso que mais
não é o silêncio gritante de tudo,
o murmuramos, e é belo, sim!
Na rocha e no mar e no céu revi
o que escreveste e em meu
parado olhar marejaram comovidas
as lágrimas da bênção, que me comove a beleza.
E o coração latejante e o cérebro visceral
não são mais que correntes e túneis
que albergam os sorrisos, teus. Os olhos, os teus.
A emoção e a estranheza que é ver-te e ter-te.
E o querer-te como se não mais aurora nascesse...
Maria Fernandes,
in Contemplações, Constatações e 30 Ventos (2014)