terça-feira, 28 de agosto de 2012

Contraponto






Nos primórdios era diferente.
Debitava, jorrava emoções com 
Falta de sintaxe, sem metáforas.
Não lembrava alegorias nem epopeias.
Nenhum épico - com excepção de um ou outro -
Parecia reflectir  realidade alguma à
Minha volta nem do que de mim jorrava.
Perdia o juízo, de caneta em  punho.
Ansiosa de jorrar - sem trabalho.
Como se de sede insaciável se tratasse.
E amanhã não houvesse aurora.

Nos dias que correm, de novo no verde
Detenho-me a cada detalhe do movimento
Pé ante pé na relva húmida da
Impiedosa chuva de ontem.
Hoje, tudo brota fluidamente.
Os grandes conceitos ganhos na
Dureza e loucura de muitos dias
Atrás de noites taxidérmicas.
Tudo com a exactidão pronta
Da ciência das palavras
Adornadas de ventosos raciocínios
Explicáveis ou não. Às vezes.

Maria Fernandes, in Contemplações, Constatações e 30 Ventos (2015)
(revisto em 11.01.2014)

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Rodopio Incessante

E gentilmente dançamos no suave e bucólico 
Ritmo da nossa cumplicidade e da mansidão 
De através dos anos nos sabermos um do outro...

Se de alguma forma me cantasses, ou de alguma forma me sonhasses.
Se o confessasses a alguém que cometesse inconfidência
E me bradasse ao ouvido essa canção de suis generis melodia,
De ritmo descompassado, de letra incerta -
Oh, Clarividência! O quanto que demoras!

E rodopiamos nessa música de estrelas em diálogos silenciosos
Carimbo da nossa cumplicidade e da imensidão
De depois de eternidades nos sabermos um no outro...


Maria Fernandes

sábado, 25 de agosto de 2012

Do Pré-Adormecer

   Três da matina, anuncia o pêndulo na sala tornada penumbra pela tela em frente à qual todos os dias te sentas e te ligas à imensurável ideia de então. As teclas enlouquecidas sob os teus dedos anunciam verdades parodiadas, verdades congénitas, falsas e adiadas verdades. Que fazes aí? - pergunta a mobília - porque não corres lá para dentro ou porque não voas para Norte? Mas tu, como se nada ouvisses meneias-te ao sabor de cliques e recliques perdido nos mais ínfimos pensamentos imperecíveis, em melodias extenuantes de mansidão, em histórias inócuas, ermas, vãs, reais, de amor.
   Não dás pela porta que se abre lá atrás, nem pelo olhar que te espreita, ansioso. Nem pelo fio de luz de se desenha no pavimento cerâmico da divisão. Nem pelos passos de lã silenciosamente cortando o ar quente do verão que entra por essa janela nocturna.
   Subitamente, sentes nas costas o calor que emana do seu corpo ainda quente do lençol, ainda que não te toque. Não te mexes. Não respiras. Não pestanejas. Esperas que se ficares assim o tempo suficiente, talvez o pêndulo pare. Talvez. Então, rodeia-te o pescoço, essa mulher Sem Rosto, bafejando-te com o hálito jasmim e podes sentir-lhe a pele cálida. Sem uma única palavra, ali se quedam - como se fosse mesmo quedar-se hirto, o tal de parede. O momento é solene. 
   Depois, viras-te e acaricias o seu peito semi-nú. Ela então toma-te na sua volátil efervescência. No seu inconsequente coma. Aturdida de verdade. E gentilmente te leva ao leito.


Maria Fernandes

 




sábado, 18 de agosto de 2012

Da Impossibilidade do Ser

Mil palavras em teu regaço debitaria e pelejaria, besta
E ainda assim raza me quedaria
Na penúria da erma rua da minha predilecção.
E que fazer à sensação de transbordo de alma? 
Rezar (em vão, digo) para que célere nos consuma?
Atirar à mercê de ventos desfraldados os desígnios de sonhos vários?
Na inócua esperança de que cada lágrima rocha se torne
E que até eu enrijeça e hirta te afronte, besta, como sempre me afronto
E como quase sempre, também perco. Entranhas e tudo.
Vísceras viscerais e tudo. Como sempre tudo o que perco.

Abandono a arena com os restos do demoníaco desejo
Intraduzível e impronunciável "esmigalhados" e confundidos 
Com a barrenta arena, regaço e mortalha do Grito mudo
Roça agora a estranheza, as imutáveis palavras que 
Não são deste tempo nem deste lugar, nem deste barro.
São da ígnea Constelação seguinte, à que sucumbiremos,
Libertinos, ébrios e crédulos na impossibilidade do Ser.

sábado, 11 de agosto de 2012

Contemplação X


Momento 1 e Momento 2
Salpicos de Luar nessa erma aldeia nocturna por oceanos banhada
Por entre Pitadas de Estrelas, e
No momento em que em diagonais opostos nos contemplamos, 
embalados pelos restícios da dor de nos vermos e sabermos 
na evidência da génese semelhantemente inequívoca..

Maria Fernandes, in Contemplações, Constatações e 30 Ventos (2015)

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

CONSTATAÇÃO II

Ri-me por dentro ao ver que até debaixo da Terra te afundas. Imagino que tenhas já apodrecido, de tão podre que já eras. "Ah, meu filho da puta, tarde foste!"
Falta muito, ainda - constato. "Caralho!"