domingo, 15 de setembro de 2019

DO FUNCIONAMENTO:


I

o manual comportamental
refere a necessidade de se despir de ateísmos
e abraçar a fé do método estabelecido:
– a consciência da sua utilização
ferramenta-maior na compreensão de si mesmo
e do ofício em andamento.

Posto isto: (- verificando a premissa -
segue enfim a produção de mão em máquina
tanto altiva e arrojada
como obtusa e enjeitada
mas inteira
sempre inteira
________________ ao fim da linha.)
comprova-se a salvação pelo Método:
– o gesto interno da Construção.



II

arranjos posteriores
devem ter em conta
o Método definido
bem como toda e qualquer refinação
(obrigatória nos termos deste manual)
conferir ao produto atributos
no âmbito da elevação estética
e um conceito universal.

no processo, imperará a gnose
da insignificância
que alcança a obra concluída,
que alcança o obreiro da obra concluída:
– só a recusa, o desterro, o desfazer-se

a fará plena.

– aqui, o desenho livre da Construção.



III

será inútil ao obreiro
a tentativa de emoção
no produto final, pois que tal
torna apenas baça e vulgar
qualquer imagem
capaz de evocar:

– supor a emoção alimento criativo,
negando a Construção da melodia simbólica
pelo Método e a contemplação
como ferramenta de suma composição,

é entregar-se ao ridículo de supor
que criou qualquer arte.

– eis o gelo metódico da edição.



Maria Fernandes, in PROCESSO continuous: poemas mecânicos, Poética Edições, 2019.







processo continuous: poemas mecânicos

Apresentei na passada Sexta-feira, 13 de Setembro, no Funchal, o recente trabalho "processo continuous: poemas mecânicos", com chancela da Poética Grupo Editorial.

Trata-se de um conjunto poético que pretende, a partir da minha óptica pessoal e intransmissível, ser um contributo para a reflexão acerca do processo da construção poética, atentando nos seus meandros de composição e características.

A obra contou com a apresentação de Teresa M.G. Jardim e Susana de Figueiredo, um momento que a actriz Celina Pereira ilustrou com o dizer de alguns poemas. Aconteceu no Well.com Bar.

A obra está disponível a partir do contacto com a autora ou através do site da editora, onde é possível usufruir de portes grátis.


©David Francisco






Pude, por estes dias
repor a oficina aos limites
da verticalidade.
operar mudanças de sistemas endémicos
no laboratório-ocaso do pensamento,
classificar temas por ordem de gravidade
e elaborar relatórios de base retórico-científica
preparados de modo a serem servidos
à mesa da contemplação dos dias.

O método – mecânico – é tanto ou quanto
[sereno
consoante o volume de tabaco ardido
todas, todas, todas as Palavras em
[baforadas
informes, quadrúpedes em bancos
[sentados
com as quatro patas pendentes
sobre o frontispício do ourives.


Maria Fernandes, in PROCESSO continuous: poemas mecânicos, Poética Edições, 2019.







sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Só o moirão o é



não é mais possível
entregar a esse laivo e esgar
a fecunda revolução do ser

(a cada rodopio
gangorreal
eu e tu
em cada
segundo
impossíveis)

ainda que
o corpo almeje
saber (cheirar?)

(assim, assim
como é certo que o seja)

e almeje
amainar ventos
e
acolher ímpetos

(assim, assim
como é certo que o seja)

podia ser
eu
o Cabo final:
- O bastante

só o moirão
só o moirão o é.


Maria Fernandes
06.01.2017

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Palavras Mortas

ficou escrito

que nada disto
o que hoje
exala do ser
nos poderia salvar

- só tu e eu em limbos
sarapintados, êxodos escritos

e talvez que numa qualquer






 





plataforma particular

se possa deixar enrolar a
parda cinza das noites
- todas -
em que se cruzam
iradas ondas em desaforo
contínuo uníssono

(dá-me algumas
das tuas rochas roladas
e teço-te um xaile-volúpia)

eu, que





 



resisto se me deres uma janela,

declaro agora a evidência
da impossibilidade
de apoteose
- havendo todos os testes falhado,
restará
a ruína
do emaranhado céu
em que jazem
os cadáveres todos
de certas
palavras
ditas




 blue velvet

ainda que alma
alguma tal creia,
as palavras mortas,
por certo, lá estarão
no exímio instante
em que embutida
no imenso tudo
emerjo à tona
da boca do teu cais



sem nome

e desde o teu cimo
vejo as sinfonias-rodopio
de toda e cada uma delas
a meus pés
- a nossos pés.
escrevo-lhe o nome:
um breve e reles





 untitled

bastará para denominar
o limbo informe
da existência incólume
que hoje somos

(dúzia e meia de rabiscos
no chão desolado
da nossa ausência)




 (09.05.2016)




Maria Fernandes
Fotos © Fedra Espiga Pinto
publicado em "Perspectivas", in Diários do Umbigo, Umbigoº Magazine


domingo, 11 de dezembro de 2016

Intro-Retrato

© Maria Fernandes
“Ei-la, que se assume”

como a mais divina graça
da sua própria História
- una e individual -

com a fé inesperada
da ciência outonal
- junta e proclamada -

com a força do peito
quente e feroz

com a raiva de todas
as vigílias estelares

com o corpo
(com o corpo
ao manifesto
conceptual
à cabeça
dos mestres)

- no seguimento do apreender a Palavra pensada, o d e s g o s t o de anãopoderdizer


Maria Fernandes
(11.12.2016)

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Lamps



vai pegar lume















e na face de cada homem
a estupefacção 
de não saber
se cá arde ou lá



porque tenho de ir














a um qualquer sítio
para além do odor a ócio
que me traz a nuvem
deste cansaço



entre o princípio e o fim



e que o contrário clamar
não poderá
- jamais! -
ter o apocalíptico
gosto acre
de cada perda
a cada penumbra
e a cada
aurora



 luz indirecta














sobre quem
directamente
projectas
a indelével
existência de ti?




paisagem in(corpo)rada perto demais




não insistas na ténue
mancha da luz
que incauta
 nos beija o cerne

e abandona




waiting for dark night









and as for the anger
let it spread out
along evergreen dreams

- no lamp is good enough
to make us love
any passing days

being so - nothing left
to be thought



(22.03.2016)


Maria Fernandes
Fotos © Fedra Espiga Pinto

publicado em "Perspectivas", in Diários do Umbigo, Umbigoº Magazine




César

Trazia a vida que não a sua
- repetia-o mil vezes -
névoa nos olhos à medida
da caminhada
por dentro
da casa-redoma 

Maria Fernandes
(2015)